A eficácia dos EPIs e a exigibilidade do RAT: Análise do Tema 1.090 do STJ e a ação da CNI no STF
Por Mauricio Pallotta | Para o Portal Migalhas
Os sistemas previdenciário e trabalhista estão em constante evolução, especialmente no que tange à proteção dos trabalhadores expostos a agentes nocivos, seja em razão das constantes alterações legislativas e jurisprudenciais (insegurança jurídica), seja por conta da evolução tecnológica (mudanças de paradigmas).
Recentemente, dois importantes debates emergiram nessa seara de intersecção entre esses dois ramos do Direito: A eficácia dos EPIs – Equipamentos de Proteção Individual e a exigibilidade do RAT – Recolhimento Adicional de Contribuição, em especial nos casos de exposição do trabalhador ao agente nocivo ruído.
Neste aspecto, se torna relevante analisar com mais cautela os desdobramentos do Tema 1.090 no STJ e da ADIn ajuizada pela CNI – Confederação Nacional da Indústria no âmbito do STF.
O STJ iniciou a análise do Tema 1.090 que aborda a eficácia dos EPIs na eliminação de riscos no ambiente de trabalho. Tal futura decisão pode impactar diretamente a comprovação de ausência de riscos à saúde e a concessão de aposentadoria especial para trabalhadores expostos a agentes nocivos.
E a questão central a ser enfrentada e decidida pelo STJ é saber se os EPIs são, de fato, suficientes para neutralizar os riscos e, consequentemente, eliminar a possibilidade de concessão de aposentadoria especial?
A análise detalhada de tal temática mostra a complexidade de como as normas jurídicas trabalhistas, previdenciárias e tributárias se misturam quando o assunto é o custeio previdenciário. Afinal, faz-se necessário estabelecer critérios claros e justos para a proteção dos trabalhadores, definir a responsabilidade dos empregadores em zelar pela saúde ocupacional, viabilizar a própria concessão de benefício previdenciário que visa mitigar os riscos da exposição não neutralizada, cujo custeio desse benefício pelo empregador não é tarefa fácil.
Não se pode esquecer que o custeio das aposentadorias especiais está previsto em norma geral e abstrata que traz em seu antecedente uma hipótese: Neutralizar ou atenuar a exposição dos trabalhadores aos agentes nocivos. Esse é o “dever ser” tutelado pela norma, o incentivo ao empregador zelar pela saúde do trabalhador, investindo em saúde e segurança. Em contrapartida, no consequente normativo (o “não ser”), vê-se a tributação do adicional, o dever custeio do benefício previdenciário específico (aposentadoria especial), o qual tem por finalidade suprir a impossibilidade de cumprimento pelo sujeito passivo do dever de proteger o seu empregado da exposição de agente nocivo.
Em paralelo, a CNI ajuizou tanto uma ADIn quanto outra arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) no STF, questionando a constitucionalidade de diversas disposições legais e regulamentares que impõem contribuição adicional para o financiamento da aposentadoria especial.
A CNI argumenta a ausência de suporte constitucional ou legal claro para a interpretação dada pelo fisco no sentido de ser irrelevante a informação de neutralização de alguns agentes nocivos para fins de concessão de aposentadoria especial e da aplicação do dever de custeio do empregador.
Contesta a suposição de que os EPIs, como protetores auditivos, são ineficazes. Traz no seu bojo estudos técnicos mais recentes, em alinhamento ao que está no julgamento do Tema 555 do STF, no sentido de que a evolução tecnológica não pode ser descartada quando o assunto é neutralização de agentes nocivos à saúde.
A petição da CNI inclui argumentos baseados em descobertas científicas recentes que sugerem que os EPIs podem ser eficazes em certos níveis de ruído, contradizendo suposições anteriores usadas para justificar a contribuição adicional.
Os principais pontos da ação incluem a falta de clareza e segurança jurídica nos regulamentos atuais e que criam incertezas para os empregadores. As disposições contestadas incluem o art. 57, § 6º, da lei 8.213/91, o art. 1º do ato interpretativo RFB 2/19 e outros regulamentos relacionados.
A CNI enfatiza o impacto mais amplo no setor industrial, incluindo encargos financeiros e incertezas jurídicas, e pede um ambiente regulatório mais previsível e estável. A decisão do STF sobre essa questão terá implicações significativas para a indústria e para a segurança jurídica no Brasil.
Em complementação a tudo aquilo que tem sido objeto de análise quando o tema é neutralização de agente nocivo, o Tema 317 da TNU aborda a metodologia do ruído no PPP – Perfil Profissiográfico Previdenciário, fixando tese no sentido de que a menção à técnica da dosimetria ou ao dosímetro no PPP é suficiente para indicar a observância das determinações da NHO-01 – Norma de Higiene Ocupacional da FUNDACENTRO e/ou da NR-15. Em outras palavras, tem-se decisão judicial em órgão de pacificação de jurisprudência estabelecendo que, na prática, isso gera uma presunção relativa da observância dessas normas, facilitando o reconhecimento do tempo especial para aposentadoria.
O debate sobre a exigibilidade do adicional do RAT para trabalhadores expostos ao ruído, mesmo com o fornecimento de EPI eficaz, tem sido palco de inúmeras controvérsias. A decisão do CARF no processo 10530.724661/2023-94, dentre outras, consolidou o entendimento de que a simples presença do ruído acima dos limites de tolerância enseja a obrigatoriedade do pagamento do adicional, independentemente da efetividade do EPI fornecido.
Sob este prisma, a autoridade fiscal não poderia simplesmente desconsiderar a utilização de um método considerado válido para fins de neutralização do agente nocivo no atual estado da técnica apenas com base na interpretação contrario sensu de uma decisão do STF para justificar a cobrança do adicional do RAT em todos os casos de exposição ao ruído. Isso coloca em xeque a própria interpretação da legislação previdenciária e a efetividade das medidas de controle de riscos no ambiente de trabalho, já que desestimularia o investimento naquilo que há de mais moderno para neutralização do agente nocivo, função precípua da norma tributária relacionada com o adicional de RAT.
Inclusive no voto divergente, proferido no julgamento no CARF, o relator discorda da aplicação linear do entendimento do STF no Tema 555 para todos os casos de exposição ao ruído. Segundo ele, embora importante, a decisão não significa que a exposição ao ruído impede a neutralização ou mitigação dos seus efeitos. O relator destacou que a decisão do STF se baseava na declaração do empregador no PPP e não em outros elementos probatórios que pudessem confirmar a eficácia dos EPIs e outros instrumentos de proteção.
Mais a mais, a ADIn e a ADPF ajuizadas pela CNI no STF questionam a constitucionalidade de diversas disposições legais e regulamentares que impõem a contribuição adicional para o financiamento da aposentadoria especial. A CNI argumenta que a exigência dessa contribuição, mesmo quando os EPIs são eficazes, viola os princípios da segurança jurídica, da legalidade tributária e do devido processo legal. A CNI destaca que a legislação atual não fornece critérios claros e objetivos para a exigibilidade da contribuição adicional, o que gera insegurança jurídica para os empregadores. Além disso, a presunção de ineficácia dos EPIs, especialmente em relação ao ruído, desconsidera avanços científicos e tecnológicos que comprovam a eficácia desses equipamentos em certos níveis de exposição.
E poder-se-á avançar ainda mais, pois a norma jurídica geral e abstrata que prevê o custeio das aposentadorias especiais é regulamentada no decreto 3.048/99, sendo que o art. 64 prevê que a aposentadoria especial será devida quando se comprove o exercício de atividades com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, vedada a caracterização por categoria profissional ou ocupação. O § 1º do referido dispositivo dispõe que a efetiva exposição se configura quando, mesmo após a adoção das medidas de controle previstas na legislação trabalhista, a nocividade não seja eliminada ou neutralizada. E, mais, que a exposição aos agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde deve superar os limites de tolerância estabelecidos segundo critérios quantitativos ou estar caracterizada de acordo com os critérios da avaliação qualitativa de que trata o § 2º do art. 68.
Ora, em que pese os debates sobre a eficácia dos EPIs e a exigibilidade do RAT serem fundamentais para garantir um equilíbrio entre a segurança e saúde dos trabalhadores e a segurança jurídica para empregadores e o INSS, parece que se está deixando de lado uma discussão relevante lastreada nos fundamentos jurídicos de incidência da norma.
O fato é que, hoje, no ordenamento jurídico, a aposentadoria especial tem amparo apenas nos casos de efetiva exposição aos agentes nocivos, o que implica a importância da norma geral e abstrata que trata do custeio desse benefício, pois a mitigação dos efeitos nocivos dos agentes por meio de EPC e EPI são de interesse do sujeito passivo da tributação do adicional ao RAT.
Ademais, as normas trabalhistas e previdenciárias que orbitam a concessão das aposentadorias especiais e, por consequência, o dever de custeio, trazem à luz o aspecto formal para o atingimento daquele “dever ser” presente no antecedente normativo da norma de custeio.
Portanto, desprezar a documentação de saúde ocupacional que cumpre os requisitos formais de sua existência é negar validade a diversos dispositivos legais, sendo que isso vai de encontro com o princípio da legalidade estrita, norteador da administração pública em sua atuação.
Com isso, deve-se aguardar as cenas dos próximos capítulos, lembrando-se de como a interseção do Direito do Trabalho, Previdenciário e Tributário será aplicada para respeitar o espírito da legislação de custeio. E, principalmente, como será endereçado o tema nos tribunais para que não tenha no futuro ainda mais insegurança jurídica.