Empregador rural: contrato safrista ou intermitente?
Historicamente o setor rural enfrenta as questões inerentes à sazonalidade das suas atividades, já que a intermitência produtiva é uma característica desse tipo de negócio. Mesmo com a aplicação das técnicas mais modernas de aumento da produtividade rural com a utilização de diferentes sistemas produtivos dentro de uma mesma área, que aumenta, por consequência, a necessidade de trabalhadores por mais tempo durante o ano, ainda sim pode existir períodos de total ou parcial ociosidade de empregados.
Em razão disso, se faz cada vez mais necessário o aprofundamento pelos produtores rurais nas formas previstas em nosso ordenamento jurídico trabalhista que viabilizam a contratação de pessoas por períodos certos e intermitentes. O mais comum e usual na atualidade no setor é contrato de trabalho “safrista” ou “por safra”.
Entretanto, é importante observar a existência de uma outra modalidade, inserida no nosso ordenamento jurídico com a reforma trabalhista, que recebeu exatamente o nome de contrato de trabalho “intermitente”, previsto no artigo 452-A da CLT.
Nessa modalidade, ao invés de uma contratação por prazo determinado, o contrato de trabalho é firmado por tempo indeterminado, mas para que o serviço seja prestado de forma não contínua, com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade. Esses contratos são determinados em horas, dias ou meses e sem exclusividade, podendo o trabalhador estar vinculado a mais de um empregador simultaneamente.
Em razão da ausência de previsibilidade para o empregado em relação à convocação, é importante ressaltar que o período de inatividade não se considera como tempo de serviço à disposição do empregador e, portanto, não é remunerado.
A alteração legislativa veio de certa forma para tentar reduzir o desemprego e aumentar a arrecadação, já que poderia regularizar a prestação de serviço que antes da reforma ocorria na informalidade, bem como podemos entender que ela se encaixa como uma luva no tipo de serviço prestado no campo por conta da já mencionada sazonalidade.
O artigo 452-A da CLT estabelece que o contrato de trabalho intermitente deve ser celebrado por escrito, contendo especificamente o valor da hora de trabalho, que não pode ser inferior ao valor horário do salário mínimo ou àquele devido aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função em contrato intermitente ou não.
A Medida Provisória 808/2017 havia alterado o artigo 452-A da CLT, estabelecendo que o contrato de trabalho intermitente deveria, além de ser celebrado por escrito e registrado na CTPS. Ainda deveria constar as seguintes informações específicas, ainda que isso estivesse previsto em acordo coletivo de trabalho ou convenção coletiva:
1) Identificação, assinatura e domicílio ou sede das partes;
2) Valor da hora ou do dia de trabalho, que não poderá ser inferior ao valor horário ou diário do salário mínimo, assegurada a remuneração do trabalho noturno superior à do diurno e observado o disposto no §12; e
3) O local e o prazo para o pagamento da remuneração.
O texto estabelecido pela MP 808/2017 acabou perdendo a validade em 23/04/2018 em virtude da inércia do nosso Congresso Nacional. Entretanto, o Ministério do Trabalho, por meio da Portaria 349/2018, manteve a exigência de se fazer constar no contrato intermitente as referidas informações. Medida de atenção que deve ser observada na contratação.
Além das obrigações acima tratadas, conforme previsto no § 6º do artigo 452-A da CLT, o empregador deve, ao final de cada período de prestação de serviço, pagar imediatamente:
“I – remuneração;
II – férias proporcionais com acréscimo de um terço;
III – décimo terceiro salário proporcional;
IV – repouso semanal remunerado; e
V – adicionais legais”.
O §1º do referido dispositivo da CLT ainda prevê que empregador deve convocar esses empregados intermitentes, por qualquer meio de comunicação eficaz, o que incluiria as tecnologias online (Whatsapp), informando previamente qual a jornada esperada para que o empregado possa exercer o seu direito de escolha pela aceitação ou não da convocação no prazo de até um dia útil, sendo o silêncio equiparado à recusa.
Uma vez aceita a oferta, a parte que descumprir, sem justo motivo o acordado, tem o dever de pagar à outra parte multa de 50% da remuneração que seria devida.
O empregador deve efetuar o recolhimento das contribuições previdenciárias e o depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, na forma da lei, com base nos valores pagos no período mensal e fornecer ao empregado comprovante do cumprimento dessas obrigações ao final de cada período.
A cada 12 meses, o empregado adquire direito a usufruir, nos doze meses subsequentes, um mês de férias, período no qual não poderá ser convocado para prestar serviços pelo mesmo empregador, mas sem ônus da remuneração pelo contratante.
Importante ressaltar que, como é garantido o direito de recusa do empregado no caso de convocação, os empregadores rurais devem se preparar para isso, o que pode se dar por meio da manutenção de um número maior de empregados com vínculo intermitente ativo para que isso não comprometa a operação nos períodos de safra no caso de recusa de algum empregado intermitente.
Já o “contrato safrista” se trata de uma modalidade de contratação por prazo determinado e vinculado às variações estacionais das atividades agrárias (sazonalidade) criado em razão da Lei nº 5.889/73, que estatuiu as normas reguladoras do trabalho rural, assim entendidas as tarefas normalmente executadas no período compreendido entre o preparo do solo para o cultivo e a colheita.
Até 11 de novembro de 2021 esse tipo de contrato era regulamentado pelo Decreto nº 73.626/74, quando foi integralmente revogado pelo Decreto nº 10.854/21, conhecido como Programa Permanente de Consolidação, Simplificação e Desburocratização de Normas Trabalhistas Infralegais e o Prêmio Nacional Trabalhista.
Assim sendo, o contrato safrista passa a seguir as mesmas regras de qualquer contrato por prazo determinado previsto no artigo 443 da CLT, desde que observados os requisitos de existência decorrentes do mencionado Decreto de 2021.
Durante a vigência do contrato de trabalho por prazo determinado o safrista deve ser registrado em Carteira de Trabalho e em Livro ou Ficha de Registro. Deve, também, ser inscrito no Programa de Integração Social (PIS), sendo que todos os direitos trabalhistas e previdenciários são preservados.
Inclusive, no que diz respeito a jornada de trabalho do safrista, lhe serão garantidas as mesmas condições aplicadas a qualquer empregado enquadrado sob a regra geral da CLT: 44 horas semanais e 08 horas diárias no máximo. Sendo possível a pactuação de banco de horas para fugir do pagamento das horas extras.
É recomendável que o empregador seja bastante claro em relação às atividades que serão esperadas desse trabalhador naquele prazo determinado, bem como que seja firmado um contrato de trabalho próprio para cada uma das culturas (ex.: alho, milho, cenoura, etc.) no caso de exploração de várias culturas.
Na rescisão do contrato de trabalho por prazo determinado, em regra, se dá de forma automática quando atingido o prazo estabelecido, com o pagamento das verbas rescisórias legais (saldo de salário, 13º salário proporcional e férias + 1/3 vencidas e/ou proporcionais), não sendo devido aviso prévio e multa de 40% do FGTS ao empregado.
Importante se atentar para a questão da limitação de até dois anos e possibilidade de renovação por no máximo um igual período do contrato por prazo determinado safrista, sendo que no caso de novas prorrogações ou ausência de formalização o mesmo passa a vigorar por prazo indeterminado, garantindo-se ao empregado o direito de aviso prévio e pagamento da multa do FGTS no caso de rescisão injustificada.
Diante da imprevisibilidade de como se dará o período de safra, já que sujeito às intempéries naturais, o mais comum é que os contratos sejam fixados por período baseados nas experiências do empregador rural do passado, o que pode gerar alguns dias de ociosidade do trabalhador pela ausência de exatidão. Atenção redobrada nos casos de existência de cláusula assecuratória do direito recíproco de rescisão antes de expirado o termo ajustado.
A grande vantagem do contrato de trabalho intermitente em relação ao safrista é o fato de não existir limitação temporal por se tratar de modalidade de contrato por prazo indeterminado, bem como a ausência de limite para a quantidade de horas semanais trabalhadas. Pondere-se a recomendação de que não se ultrapasse o limite de 44 horas semanais para ser mais conservador em razão das futuras interpretações de nosso judiciário trabalhista.
A flexibilidade do contrato de trabalho intermitente acaba desonerando o empregador rural especialmente em relação às formalidades vinculadas às burocracias de admissão e rescisão do contrato por prazo determinado ao final de cada período, além do custo indireto de gestão contratual para evitar a transformação de um contrato de trabalho por prazo determinado em indeterminado convencional. Ou seja, o empregador pode se aproveitar do melhor dos dois mundos (prazo determinado e indeterminado) gastando menos com pessoal de apoio ao RH.
Além disso, não há previsão de lapso temporal mínimo para nova contratação de um empregado após o encerramento de um período de trabalho, ao contrário do que ocorre nos contratos por prazo determinados, nos quais é recomendável o transcurso de um período mínimo de seis meses entre as contratações, em razão do previsto no artigo 452 da CLT.
Cabe destacar que a jurisprudência nacional é favorável ao empregador rural nas discussões de unicidade contratual do safrista quando existe uma razoabilidade nos lapsos temporais entre cada contratação. Entretanto, no caso do intermitente esse ponto sequer é considerado, pouco importando se o lapso temporal é de um dia, um mês ou um ano.
A desvantagem do contrato de trabalho intermitente hoje está diretamente relacionada com a cultura da insegurança jurídica em nosso país, pois ainda tramitam no Supremo algumas Ações Diretas de Inconstitucionalidade que discutem a sua constitucionalidade do artigo 452-A da CLT. Por enquanto, há dois votos a favor da modalidade (ministros Alexandre de Moraes e Nunes Marques), e um contrário (ministro Fachin) na ADI 5826.
Portanto, ambos os contratos são importantes para que o empregador rural consiga otimizar o custo — efetivo e operacional — da sua folha de pagamento em razão da sazonalidade de suas atividades, sendo que a opção por um e outro modelo deverá contemplar uma análise minuciosa das peculiaridades que cada situação e o apetite para risco do contratante enquanto não é finalizado o julgamento do STF.
Artigo publicado no Consultor Jurídico (conjur.com.br) | Artigo publicado na Revista Conceito Trabalhista